Em entrevista ao jornal Diário do Nordeste, Karina Frota fala sobre o desafio da ocupação de cargos de liderança nas empresas brasileiras por mulheres
O jornal Diário do Nordeste publicou, na manhã desta terça-feira (26/10), uma entrevista com a Gerente do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIE) e falou sobre a participação feminina na área, além de reforçar a importância de políticas de ampliação da presença da mulher empresas.
Confira parte da matéria:
A ocupação de cargos de liderança nas empresas brasileiras por mulheres cresceu nos últimos 20 anos, mas considerando todo o contexto que as conduz a essas posições como o acesso à educação, por exemplo, o caminho a percorrer ainda é longo.
A reflexão é de uma mulher que contribuiu ativamente nas últimas duas décadas para o desenvolvimento das indústrias no Ceará por meio do trabalho no Comércio Exterior e que observou ao longo desse período a evolução da presença feminina nesses espaços, bem como as lacunas que ainda precisam ser preenchidas em nome da busca pela igualdade de gênero.
Como uma espécie de mantra a ser seguido por todos e todas que possuem essa busca em comum, Ana Karina Frota, gerente do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), é uma das entrevistadas pelo Diário do Nordeste para o Projeto Elas, iniciativa do Sistema Verdes Mares que busca informar, discutir e instigar a reflexão sobre qual é o lugar da mulher na sociedade: o que ela quiser.
Ao longo da conversa, Karina Frota pontua a importância de as mulheres estarem constantemente em busca de conhecimento técnico e reforça a necessidade da criação de políticas em várias esferas que possam expandir a participação de mulheres na ambiência profissional.
Confira parte da entrevista:
DE ONDE VEIO O SEU INTERESSE PELO COMÉRCIO EXTERIOR? FOI ALGUÉM QUE TE INSPIROU OU INCENTIVOU A TRABALHAR NA ÁREA? E VOCÊ POSSUI ALGUMAS FORMAÇÕES FORA. QUANDO COMEÇOU A ATUAR NA ÁREA, ERAM POUCAS AS FORMAÇÕES RELACIONADAS AO TEMA AQUI NO CEARÁ?
A minha graduação foi em Ciências Sociais. Na época, a Federação das Indústrias do Ceará (FIEC) tinha um projeto com a Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa (Funcap). E era um projeto voltado para estudantes de universidades públicas e eu me candidatei para uma vaga como bolsista da Funcap. O local de trabalho desse bolsista era justamente na FIEC, na área internacional.
Como bolsista da Funcap, eu entrei para trabalhar com pesquisas na área internacional voltadas para o setor industrial. Na época, eu tinha uma amiga da faculdade e ela começou a me apresentar a essa parte da pesquisa voltada para a área internacional.
Essa pesquisa era feita com a captação de dados estatísticos através de sistemas extremamente complicados, há 20 anos, e quando ela me apresentou a essa área da pesquisa internacional, de fato eu me encantei.
Eu não sabia que tinha facilidade com números e me surpreendi positivamente.
Na época, ainda como bolsista, nós tínhamos uma voz de quem estava na academia. Então nós éramos muito escutadas aqui pela nossa liderança direta.
Lembro que, mesmo sendo uma estudante bolsista, naquele momento, há 20 anos, nós conseguimos implantar algumas melhorias.
A minha amiga que me avisou da vaga para bolsista tinha sido recém-contratada pela FIEC e nós tínhamos feito algumas disciplinas juntas na universidade, inclusive hoje ela tem o meu cargo, mas na Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília.
Após dois anos como bolsista, meu nome foi levado até a presidência da FIEC, em 2003, e foi autorizada a minha contratação formal pela Federação.
Então eu terminei a faculdade, fui contratada pela FIEC e como eu já estava na área internacional, fiz em sequência uma pós-graduação em Comércio Exterior pela Universidade Católica de Brasília.
E VOCÊ SÓ ENCONTROU ESSA PÓS-GRADUAÇÃO FORA DO ESTADO, CERTO? AQUI NÃO TINHA NADA NESSE SENTIDO PARA ESSA ÁREA?
Não tinha nada nessa área. Algum tempo depois surgiu o primeiro curso de graduação em Comércio Exterior aqui em Fortaleza e aí alguns outros surgiram em seguida.
Naquele tempo, eu comecei a dar aula nos cursos de graduação em Comércio Exterior. Hoje, temos apenas um curso de graduação na área, que vem desde aquela época.
POR QUE HOJE NÓS SÓ TEMOS UM CURSO NA ÁREA?
Hoje, nós passamos por um momento de transformação econômica muito grande no Estado. Quando nós vamos para 18 anos atrás, ainda era tudo muito inexpressivo, muito tímido.
Para você ter uma ideia, esses dados de comércio exterior que nós temos com atualização automática mensal, na época eram captados por um sistema disponibilizado pelo Serviço de Processamento de Dados (Serpro). Era tudo ainda muito complicado para você conseguir, incluindo os dados.
Alguns estudantes da época imaginavam que a área de Comércio Exterior era algo simples, algo fácil, porque de fato é uma carreira muito glamorosa quando se fala em toda a trilha da internacionalização.
O que acontece é que no meio desse percurso aparecem algumas dificuldades, tanto em relação à disciplina, conteúdo e à própria inserção no mercado internacional.
Hoje essa realidade é bastante diferente, então por vezes os alunos optavam por não seguir porque se viam diante da incerteza de inserção no mercado de trabalho.
ENTÃO A SUA RELAÇÃO COM O COMÉRCIO EXTERIOR FOI OCORRENDO DE MANEIRA MUITO NATURAL. HOUVE ALGUM TIPO DE RESISTÊNCIA DA SUA FAMÍLIA OU DE PESSOAS PRÓXIMAS EM RELAÇÃO À SUA ESCOLHA PROFISSIONAL, CONSIDERANDO ESSAS INCERTEZAS? OU HOUVE APOIO?
Era tudo muito novo, como nós comentamos. Eu não tive resistência da família ou das pessoas que estavam próximas a mim, pelo contrário: isso instigava uma curiosidade enorme.
Como no período em que eu era bolsista a gente já atendia o empresário, eu sempre mentalizei que eu iria seguir com o trabalho que eu realizava, mas agora com um novo desafio: o da difusão dessa cultura da internacionalização para essas empresas que nós já atendíamos enquanto área internacional.
Na época, nós estávamos lançando o primeiro voo direto internacional saindo de Fortaleza e naquele momento o assunto despertava muito interesse, de como é que nós trabalharíamos essa cultura de empresas que só tinham um olhar para o mercado doméstico.
Foram desenvolvidos muitos projetos, com a própria Comissão Europeia, de apoio à internacionalização das empresas brasileiras, cearenses, e tudo aquilo, por ser extremamente desafiador, foi nos fortalecendo e nos levando a motivar essas empresas, buscando conhecimento fora, já que não tínhamos aqui.
Naquele movimento, muitas pessoas entusiasmadas com o tema formaram um grande grupo de estudo. E foi naquele momento que nasceu no Estado a Comissão de Comércio Exterior.
Era a primeira representação formal e institucional de entidades que trabalhavam com o comércio exterior, inclusive a Comissão se tornou uma boa prática para outros estados.
KARINA, E QUANDO VOCÊ CHEGOU A FIEC, PRIMEIRO COMO BOLSISTA E EM SEGUIDA COMO CONTRATADA, ERA UMA ÁREA COM MUITAS MULHERES? HOUVE ALGUMA RESISTÊNCIA DENTRO DA FIEC NAQUELE INÍCIO POR VOCÊ SER UMA MULHER TRABALHANDO COM COMÉRCIO EXTERIOR?
Eu considero que a área internacional da FIEC é muito abençoada. Na época, o meu chefe direto, que era superintendente da área, tinha uma visão muito diferenciada da importância da mulher dentro do mercado de trabalho.
Mas eu lembro que o superintendente era homem, o gerente da área era homem e as mulheres ocupavam mais os cargos operacionais.
O que eu percebia muito naquela época era que, como nós participávamos de várias reuniões com a própria classe empresarial, por vezes - e isso acontece até hoje - nós íamos para as reuniões e quando sentávamos à mesa, só tinham homens.
Nosso público empresarial de certa forma é muito masculino, e obviamente nós percebíamos, como ainda percebemos hoje uma certa resistência.
Porém, a especificidade do nosso trabalho é algo tão rico e grandioso, tão organizado, que essas primeiras impressões, com o passar do tempo, automaticamente são transformadas e somos vistas como um público que traz mudanças significativas no ambiente de trabalho e nas próprias negociações.
Eu vejo hoje uma grande transformação no mercado de trabalho no que se refere ao próprio comércio exterior. Hoje, o mercado de comércio exterior já conta com muitas profissionais mulheres.
O QUE FALTA, NA SUA AVALIAÇÃO, PARA TERMOS AINDA MAIS MULHERES ATUANDO NA ÁREA AQUI NO CEARÁ E NO PAÍS? E NA CHEFIA DAS EMPRESAS, AINDA FALTAM MUITAS MULHERES?
Tivemos mudanças significativas? Sim. Mas ainda estamos longe de estarmos equiparados em termos numéricos.
Veja a área de comércio exterior, que trabalha com câmbio. Quem são as pessoas que estão em instituições financeiras? Em sua maioria, homens. A área de comércio exterior trabalha com logística.
Se observarmos os ministros que nós já tivemos, tanto de Relações Exteriores como de Economia, do próprio antigo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio? Homens. De fato, há uma predominância do público masculino, mas as mulheres hoje já subiram degraus expressivos dentro desse contexto.
Eventualmente eu estudo e leio sobre isso e as mulheres possuem características extremamente importantes para estarem dentro dessa área, que exige comunicação, relacionamento, que exige um senso crítico.
A área de comércio exterior exige cautela, você não pode ter imediatismos, e nesse ponto eu acho que as mulheres são incomparáveis.
Por isso é que eu vejo hoje a área de comércio exterior com mudanças tão significativas. Nós (na FIEC) temos um ambiente de trabalho extremamente harmonioso, organizado.
Algo que é muito apontado nas pesquisas que eu vejo é a questão de remuneração, mas o grande desafio que observo é promover as oportunidades entre homens e mulheres.
É nesse ponto que eu muitas vezes acredito que nós, mulheres, não conseguimos desenvolver carreiras voltadas para cargos mais altos por conta da maternidade.
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Fotos: Diário do Nordeste.